segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sandman, Morpheus, Oneiro

"Eu ando pelas areias do sonho sob a pálida lua: através dos sonhos de países e cidades, sonhos passados de lugares há muito tempo perdidos e horas além da recordação."
Morpheus in Vidas breves
Morpheus
Há na formação dos sonhos todo um lago construído minuciosamente, para que flutuem as imagens que captamos sem perceber durante o dia. Durante o sono não estamos vulneráveis apenas fisicamente. Nossa consciência, cansada do ritmo maquinal do dia-a-dia¹, arruina toda a sutileza do mundo e, no sono, somos levados a perceber aquilo que nosso inconsciente produz para nos comunicar todas as fraturas dessa sutileza, as experiências e imagens e sentimentos que tivemos de real relevância, mas não conseguimos esfrutá-las com a intensidade correta.

Não seria mais interessante que alguém coordenasse toda essa bagunça no seu quintal?

Lendo Sandman, você diria que sim. Que toda essa confusão seria mais intensamente vivida. Visitaria o inferno, a cidade de prata dos anjos, muitas eras passadas na terra, além de se apaixonar perdidamente pela Morte. É sério!

Sonho e Morte dos Perpétuos
A obra de Neil Gaiman, iniciada em 1989 e finalizada em 1996, contando com 75 quadrinhos, é uma tentativa de revitalização em um dos personagens mais antigos da editora DC.  
O Sandman original era o justiceiro Wesley Dodds, que vestia uma máscara de gás como proteção de sua identidade e atacava os bandidos com uma arma que pulverizava sonífero, no agora longínquo final da década de 30.
O segundo homem a portar este nome foi Garrett Sanford, que com ajuda de dois pesadelos, Brute e Glob, defendia os sonhos das crianças do malvado Mago dos pesadelos. Nada como uma história "pueril", (de fato ela é muito bem elaborada na verdade), para o tormentoso fim da década de setenta. 
A proposta de revitalização do personagem foi dada a Gaiman com toda a liberdade criativa, devendo apenas inserir os antigos Sandmans na série. Ele teve o insight de criar todo um novo universo a partir de algumas idéias que vinham amadurecendo. Nota-se um universo obscuro em que o belo tem todos os tons possíveis, desde o brutal ao sublime, desde o macabro ao heróico. A construção dos personagens é muito bem feita, sendo que todos os secundários são dignos de atenção tão especial quanto o próprio senhor dos sonhos. Poderia citar Lúcifer, esse mesmo que você está pensando..., Fidlers Green, um sonho... err... um lugar, melhor dizendo, uma versão antropomórfica, (atentem-se a essa nomenclatura, pois é extremamente recorrente na série) de um quintal tranqüilo no reino dos sonhos e Rose Walker, que tem um papel importante durante toda a série, visitando e se relacionando, a todo o tempo, com o Sonhar.
  
Capa de Dave Mckean
A história da série tem como personagem principal o Sonho, a figuração humanizada, ou não, dos nossos sonhos. Ele possui seis irmãos, Destino, Delírio, Destruição, Morte, Desejo e Desespero, que juntos são os Perpétuos. Mais antigos que os deuses e independentes de seus caprichos, eles cuidam, respectivamente, de cada uma dessas idéias apresentadas pelos seus nomes. Cada um possui seu respectivo reino, excetuando a Morte, com seus moradores e aparência próprias e poderes relacionados à seus domínios.
Voltando à construção dos personagens, nota-se uma personalidade independente das idéias que eles representam. O Sonho é um homem branco, pálido e de cabelos desgrenhados. É depressivo e profundo de mais, taciturno e impulsivo. Em contraparte, a Morte é uma jovem sábia e meiga, que usa roupas góticas, mas está sempre de bom humor e vendo as coisas pelo lado positivo.

Sonho e Matthew por Tony Harris

O ponto mais alto da série é colocar conceitos, como o de deidade e o próprio maniqueísmo (o que é bom e o que é mal) em um questionamento mais alto, além de trabalhar com a realidade de forma adulta, sem perder a fantasia. As capas do artista neo-surrealista Dave Mckean, e os diversos artistas que vão ilustrando e colorindo a série, são um chamado a mais para esta Fantasia.
Esta foi apenas a apresentação da série aqui no quintal, existem muitos pontos a serem reparados nestas 75 edições e uma profundidade imensa de conceitos a serem tratados.

Espero que, amanhã, ao acordar, pensem sobre o que viram no quintal dos seus sonhos. O mestre Oneiro, com seu corvo nos ombros, pode ter estado lá.


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